Estava em outra madrugada qualquer, mexendo no computador, quando senti uma tremenda fisgada no canto da barriga que fez levar a mão até onde doía.
“Caralho!”
Era na região no apêndice e lembrei que já tinha desmaiado no hospital e tomado soro por duas horas num “susto” de apendicite. Eu também me lembrei de como o médico empurrava a sua mão na minha barriga no canto direito perguntando se eu tinha dor, disse que era uma espécie de teste para saber se tem algum problema.
No último susto não doía a região exata do apêndice, eram outros problemas, mas fiz questão de lembrar a posição e a força que ele usou no teste para que eu pudesse fazer sozinho quando suspeitasse.
Nesta outra noite doeu, e como doeu. Deitei na cama, me contorcia de dor, a cabeça chegava ir para frente e mordia os beiços.
Junto à dor eu me desesperava, lembrava da primeira vez que tinha ouvido falar sobre apendicite, foi um amigo meu que contou a história:
“É perigo puro, djou, pode ser a qualquer hora e às vezes você nem nota; meu tio teve apendicite, enquanto estava dormindo, ai deu hemorragia interna e ele morreu, sem saber. Meu pai teve também, só que ele conseguiu notar e foi para o hospital fazer a cirurgia. É foda, você pode morrer e nem perceber. Temos que estar sempre atentos.”
Este amigo meu morreu dois anos depois, num acidente de moto ridículo.
Mas lembrei, mais uma vez, de como deve ser morrer. Pode ser a entrada para um outro plano, o lance da luz e blá blá blá, eu esperava isso naquela hora, mas podia ser pior. Podia ser o Nada. Simplesmente nada.
E ai talvez seja um dos problemas de morrer, o medo de morrer em geral não está na morte em si, “o processo”, mas no temor egoísta do fim de sua existência, “a consequência”.
“Eu posso não estar mais aqui?!”, é isso que pensamos. Às vezes pensamos naqueles em quem vamos deixar saudades, mas é o medo de não existirmos que está no pensamento “EU NÃO QUERO MORRER!”.
E lá estava eu sendo egoísta também, comecei a pensar no que eu tinha que terminar, minhas provas da faculdade (!), tenho que ir trabalhar (!), queria acordar amanhã cedo (!)
…
A dor diminuiu e aquele trecho do Dylan me surgiu na cabeça, “That he not busy being born Is busy dying” (Que aquele que não está ocupado nascendo está ocupado morrendo).
A consequência é certa e inexata, mas eu estou no processo porra e não vou levar numa boa. Peguei um livro de literatura com sacanagem “à lá” Henry Chinasky que gostaria de recomendar a qualquer um que estiver lendo estas palavras, pois eu sei que todas as pessoas gostam destas coisas; refiro-me à literatura.
Fui ao banheiro, sentei no vaso, encostei a nuca na parede e com o braço direito ergui o livro aberto na altura dos olhos.
E comecei a ler aquela sacanagem; refiro-me à vida.